sexta-feira, 29 de setembro de 2017

FELICIDADE E INFELICIDADE RELATIVA.

O LIVRO DOS ESPÍRITOS. PARTE QUARTA. ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES. CAPÍTULO I. PENALIDADES E PRAZERES TERRENOS. FELICIDADE E INFELICIDADE RELATIVAS

O ser humano não pode gozar na Terra uma felicidade completa, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação, mas dele depende abrandar os seus males e ser tão feliz, quanto se pode ser na Terra.
Concebe-se que o ser humano possa ser feliz na Terra quando a Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso não se verifica, pode cada um gozar de uma felicidade relativa.
O ser humano é, na maioria das vezes, o artífice de sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se a muitos males e gozar de uma felicidade tão grande quanto o comporta a sua existência num plano grosseiro.
Comentário de Kardec: O ser humano bem compenetrado do seu destino futuro não vê na existência corpórea mais do que uma rápida passagem. É como uma parada momentânea numa hospedaria precária. Ele se consola facilmente de alguns aborrecimentos passageiros, numa viagem que deve conduzi-lo a uma situação tanto melhor quanto mais atenciosamente tenha feito os seus preparativos para ela.
Somos punidos nesta vida pelas infrações que cometemos às leis da existência corpórea, pelos próprios males decorrentes dessas infrações e pelos nossos próprios excessos Se remontarmos pouco a pouco à origem do que chamamos infelicidades terrenas veremos a estas, na sua maioria, como a consequência de um primeiro desvio do caminho certo. Em virtude desse desvio inicial, entramos num mau caminho e de consequência em consequência, caímos afinal na desgraça.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada um; o que é suficiente para a felicidade de um faz a desgraça de outro. Há, entretanto, uma medida comum de felicidade para todos os seres humanos.
Para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.
Aquilo que seria supérfluo para um não se torna o necessário para outro, e vice-versa, segundo a posição.
Sim, de acordo com as nossas ideias materiais, os nossos preconceitos, a nossa ambição e todos os nossos caprichos ridículos, para os quais o futuro fará justiça quando tivermos a compreensão da verdade. Sem dúvida, aquele que tivesse uma renda de cinquenta mil libras e a visse reduzida a dez. mil, considerar-se-ia muito infeliz, por não poder continuar fazendo boa figura mantendo o que chama a sua classe, ter bons cavalos e lacaios, satisfazer a  todas as paixões etc. Julgaria faltar-lhe o necessário. Mas, francamente, podemos considerá-lo digno de lástima, quando ao seu lado há os que morrem de fome  e de frio, sem um lugar em que repousar a cabeça! O ser humano sensato, para ser feliz, olha para baixo e jamais para os que lhe estão acima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.
Existem males que não dependem da maneira de agir e que ferem o ser humano mais justo. Existe algum meio de preserva-los, desde que o atingido se resigne e sofra sem queixa, se desejar progredir. Entretanto, encontra sempre uma consolação na sua própria consciência, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, quando ele faz o necessário para obtê-lo.
Aos olhos daqueles que não enxergam alem do presente, fica a impressão de que Deus beneficia com os bens da fortuna de certos seres humanos que não parecem merecê-los.
Podemos dizer ainda, que se ter a fortuna, é uma prova geralmente mais perigosa que a miséria.
Os males deste mundo estão na razão das necessidades artificiais  que criamos para nós mesmos. Aquele que sabe limitar os seus desejos e ver sem cobiça o que estafara das suas possibilidades, poupa-se a muitos  aborrecimentos nesta vida. O mais rico é aquele que tem menos necessidades.
Invejamos os prazeres dos que nos parecem os felizes do mundo, mas devemos saber, por acaso, o que nos está reservado. Se não gozamos senão para nos  mesmos, seremos egoístas e teremos de sofrer o reverso. Lamentemos, antes de invejá-los! Deus, às vezes, permite que o mal prospere, mas essa felicidade não é para se invejar, porque a pagará com lágrimas amargas. Se o justo é infeliz é porque passa por uma prova que lhe será levada em conta, desde que a saiba suportar com coragem. Lembremos-nos das palavras de Jesus: “Bem-aventurados os que sofrem, porque serão consolados”.
O ser humano não é verdadeiramente desgraçado senão quando sente a falta daquilo que lhe é necessário para a vida e a saúde do corpo. Essa privação é talvez a consequência de sua própria falta e então ele só deve queixar-se de si mesmo. Se a falta fosse de outro, a responsabilidade caberia a quem a tivesse causado.
Na natureza especial das aptidões naturais, Deus indica evidentemente a nossa vocação neste mundo. Muitos males provêm do fato de não seguirmos essa vocação. Mas muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza fazem os filhos se desviarem do caminho traçado pela Natureza comprometendo-lhes com isso a felicidade. Mas serão responsabilizados.
Diante do acima, se pergunta se é justo que o filho de um ser da alta sociedade venha a fabricar tamancos, se isto fosse a sua aptidão.
Respondemos que não se precisa cair no absurdo nem no exagero: a civilização tem as suas necessidades. Por que o filho de um ser humano da alta sociedade como dizemos teria de fazer tamancos, se pode fazer outras coisas. Ele poderá sempre se tornar útil na medida de suas faculdades, se não as aplicar em sentido contrário. Assim, por exemplo, em vez de um mau advogado, poderia ser talvez um bom mecânico etc.
Comentário de Kardec: O deslocamento de sua esfera intelectual é seguramente uma das causas mais frequentes de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada é uma fonte inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio vem juntar-se a isso, impedindo o ser de recorrer a uma profissão mais humilde e lhe mostra  o suicídio como o supremo remédio para escapar ao que ele julga uma humilhação. Se uma educação moral o tivesse preparado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais ele seria apanhado desprevenido.
Há pessoas que privadas de todos os recursos, mesmo quando reine a abundância em seu redor, não veem outra perspectiva de solução para o seu caso a não ser a morte.
O ser humano jamais deve ter a ideia de se deixar morrer de fome, pois sempre encontraria meios de se alimentar, se o orgulho não se interpusesse entre a necessidade e o trabalho.  Frequentemente dizemos que não há profissões humilhantes e que não é o ofício de desonra; mas dizemos para os outros e não para nós.
É evidente que, sem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa dominar, o ser humano sempre encontraria um trabalho qualquer que o pudesse ajudar a viver, mesmo deslocado de sua posição. Mas entre as pessoas que não tem preconceitos ou que os põem de lado, não há as que estão impossibilitadas de prover as suas necessidades em consequência de moléstias ou outras causas independentes de sua vontade.
Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.
Comentário de Kardec: Com uma organização social previdente e sábia, o ser não pode sofrer necessidades, a não ser por sua culpa. Mas as próprias culpas do ser humano são frequentemente o resultado do meio em que ele vive. Quando o ser praticar a lei de Deus, disporá de uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e com isso mesmo ele será melhor.
Nenhuma é perfeitamente feliz, tanto as classes sociais sofredoras que são mais numerosas do que as felizes, pois aquilo que consideramos a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao pensamento acima, diremos que as classes a que chamamos sofredoras são mais numerosas porque a Terra é um lugar de expiação. Quando o ser a tiver transformado em morada do bem e dos Bons Espíritos, não mais será infeliz nesse mundo, que será para ele o paraíso terrestre.
Pela fraqueza dos bons, neste mundo, os maus exercem geralmente maior influência  sobre os bons.
Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância.
Se o ser humano em geral é, o artífice dos seus sofrimentos materiais sê-lo-á também dos sofrimentos morais, mais ainda, pois os sofrimentos materiais são às vezes, independentes da vontade, enquanto o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, enfim constituírem torturas da alma.
Inveja e ciúme! Felizes os que não conhecem esses dois vermes vorazes. Com a inveja e o ciúme, não há calma, não há repouso possível.  Para aquele que sofre desses males, os objetos da sua cobiça, do seu ódio e do seu despeito; se erguem diante dele como fantasmas que não o deixam em paz e o perseguem até no sono. O invejoso e o ciumento vivem num estado de febre contínua. Com essas paixões, o ser humano cria para si mesmo suplícios voluntários e que a Terra se transforma para ele num verdadeiro inferno.
Comentário de Kardec: Muitas expressões figuram energicamente os efeitos de algumas paixões. Diz-se: está inchado de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito,  perder o apetite por ciúmes etc. esse quadro nos dá bem a verdade. Às vezes, o ciúme nem tem objeto determinado. Há pessoas que se mostram naturalmente ciumentas de todos os que se elevam, de todos os que saem da vulgaridade, mesmo quando não tenham no caso nenhum interesse direto, mas unicamente por não poderem atingir o mesmo plano. Tudo aquilo que parece acima do horizonte comum as ofusca, e, se formassem a maioria da sociedade, tudo desejariam rebaixar ao seu próprio nível. Temos nestes casos o ciúme aliado à mediocridade.
O ser é infeliz, geralmente, pela importância que liga às coisas deste mundo.  A vaidade, a ambição e a cupidez fracassadas o fazem infeliz. Se ele se elevar acima do circulo estreito da vida material, se elevar o seu pensamento ao infinito, que é o seu destino, as vicissitudes  da Humanidade lhe parecerão mesquinhas e pueris, como as mágoas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo que representava a sua felicidade suprema.
Aquele que só encontra a felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz quando não os pode satisfazer, enquanto o que não se interessa pelo supérfluo se sente feliz com aquilo que para os outros constituiria infortúnio.
Referimo-nos aos seres civilizados porque o selvagem, tendo necessidades mais limitadas, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias; sua maneira de ver as coisas é muito diferente. No estado de civilização, o ser pondera  a sua infelicidade, a analisa, e por isso é mais afetado por ela, mas pode também ponderar e analisar os seus meios de consolação. Esta consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, e no Espiritismo, que lhe dá a certeza do futuro.

BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS.




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