O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
CAPÍTULO X. LEI DE LIBERDADE.
RESUMO TEÓRICO DA MOTIVAÇÃO
DAS AÇÕES DO SER HUMANO.
A questão do livre-arbítrio pode resumir-se
assim: o ser humano não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não
“estavam escritos”; os crimes que comete não são o resultado de um decreto do
destino Ele pode como prova e expiação, escolher uma existência em que se
sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio em que estiver situado, seja
pelas circunstâncias supervenientes. Mas será sempre livre de agir como quiser.
Assim, o livre-arbítrio existe, no estado de Espírito, com a escolha da
existência e das provas; e, no estado corpóreo, com a faculdade de ceder ou
resistir aos arrastamentos a que voluntariamente estamos submetidos. Cabe à
educação combater as más tendências, e ela o fará de maneira eficiente quando
se basear no estudo aprofundado da natureza moral doer humano. Pelo
conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la,
como se modificam a inteligência pela instrução e as condições físicas pela
higiene.
O
Espírito desligado da matéria, no estado errante, faz a escolha de suas futuras
existências corpóreas segundo o grau de perfeição que tenha atingido. E nisso,
como já dissemos, que consiste, sobretudo o seu livre-arbítrio. Essa liberdade
não é anulada pela encarnação. Se ele cede à influência da matéria, é então que
sucumbe nas provas por ele mesmas escolhidas. E é para ajudá-lo a superá-las
que pode invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.
Sem o
livre-arbítrio, o ser humano não tem culpa do mal, nem mérito no bem; e isso é
de tal modo reconhecido que no mundo se proporciona sempre a censura ou o
elogio à intenção, o que quer dizer à vontade; ora, quem diz vontade diz
liberdade. O ser humano não poderia, portanto, procurar desculpas no seu
organismo para as suas faltas sem com isso abdicar da razão e da própria
condição humana, para se assemelhar aos animais. Se assim é para o mal, assim
mesmo devia ser para o bem. Mas, quando o ser humano pratica o bem, tem grande
cuidado em consignar o mérito a seu favor e não trata de atribuí-lo aos seus
órgãos, o que prova que instintivamente ele não renuncia malgrado a opinião de
alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio da sua espécie: a liberdade de
pensar.
A
fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável
de todos os acontecimentos da vida, qualquer que seja a sua importância. Se
assim fosse, o ser humano seria uma máquina destituída de vontade. Para que lhe
serviria a inteligência, se ele fosse invariavelmente dominado, em todos os
seus atos, pelo poder do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira,
representaria a destruição de toda liberdade moral; não haveria mais
responsabilidade para o ser humano, nem mal, nem crime, nem virtude. Deus,
soberanamente justo, não poderia castigar as suas criaturas por faltas que não
dependeriam delas, nem recompensá-las por virtudes de que não teriam mérito.
Semelhante lei seria ainda a negação da lei do progresso, porque o ser humano que
tudo esperasse da sorte nada tentaria fazer para melhorar a sua posição, desde
que não poderia torná-la melhor nem pior.
A
fatalidade não é, entretanto, uma palavra vã; ela existe no tocante à posição
do ser humano na Terra e às funções que nela desempenha, como consequência do
gênero de existência que o seu Espírito escolheu, como prova, expiação ou missão. Sofre
ele, de maneira fatal, todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas
ou más que lhe são inerentes. Mas a isso se reduz a fatalidade, porque depende
de sua vontade ceder ou não a essas tendências. Os detalhes dos
acontecimentos estão na dependência das circunstâncias que ele mesmo provoque,
com os seus atos, e sobre os quais podem influir os Espíritos, através
dos pensamentos que lhe sugerem.
A
fatalidade está, portanto, nos acontecimentos que se apresentam ao ser humano
como consequência da escolha de existência feita pelo Espírito; mas pode não
estar no resultado desses acontecimentos, pois pode depender do ser humano
modificar o curso das coisas, pela sua prudência; e jamais se encontra nos
atos da vida moral.
É na
morte que o ser humano é submetido, de uma maneira absoluta, à inexorável lei
da fatalidade, porque ele não pode fugir ao decreto que fixa o termo de sua
existência, nem ao gênero de morte que deve interromper-lhe o curso.
Segundo
a doutrina comum, o ser humano tiraria dele mesmo todos os seus instintos;
estes procederiam, seja da sua organização física, pela qual ele não seria
responsável, seja da sua própria natureza, na qual pode procurar uma escusa
para si mesmo, dizendo que não é sua a culpa de haver sido feito assim.
A
doutrina espírita é evidentemente mais moral: ela admite para o ser humano o
livre-arbítrio em toda a sua plenitude; e, ao lhe dizer que, se pratica o mal,
cede a uma sugestão má que lhe vem de fora, deixa-lhe toda a responsabilidade,
pois lhe reconhece o poder de resistir, coisa evidentemente mais fácil do que
se tivesse de lutar contra a sua própria natureza. Assim, segundo a doutrina
espírita, não existem arrastamentos irresistíveis: o ser humano pode sempre
fechar os ouvidos à voz oculta que o solicita para o mal no seu foro íntimo,
como os pode fechar à voz material de alguém que lhe fale; ele o pode por sua
vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando para esse fim a
assistência dos bons Espíritos. É isso que Jesus ensina na sublime fórmula
da Oração dominical, quando nos manda dizer: “Não
nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”.
Essa
teoria da causa excitante dos nossos atos ressalta evidentemente de todos os
ensinamentos dados pelos Espíritos. E não somente é sublime de moralidade, mas
acrescentaremos que eleva o ser humano aos seus próprios olhos, mostrando-o
capaz de sacudir um jugo obsessor, como é capaz de fechar sua porta aos
importunos. Dessa maneira, ele não é mais uma máquina agindo
por impulsão estranha a sua vontade, mas um ser dotado de razão, que
escuta, julga e escolhe livremente entre dois conselhos. Acrescentamos que,
malgrado isso, o ser humano não fica privado de iniciativa, não age menos pelo
seu próprio impulso, pois em definitivo ele não passa de um Espírito encarnado,
que conserva, sob o invólucro corpóreo, as qualidades e os defeitos que tinha
como Espírito.
As
faltas que cometemos têm, portanto, sua origem primeira nas imperfeições do
nosso próprio Espírito, que ainda não atingiu a superioridade moral a que se
destina, mas nem por isso tem menos livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada
para purgar-se de suas imperfeições através das provas que nela sofre, e são
precisamente essas imperfeições que o tornam mais fraco e mais acessível às
sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que se aproveitam do fato de fazê-lo
sucumbir na luta que empreendeu. Se ele sai vitorioso dessa luta, se eleva; se
fracassa, continua a ser o que era, nem pior, nem melhor: é a prova que terá de
recomeçar e para o que ainda poderá demorar muito tempo na condição em que se encontra.
Quanto mais ele se depura, mais diminuem as suas fraquezas e menos acessível se
torna aos que o solicitam para o mal. Sua força moral cresce na razão da sua
elevação e os maus Espíritos se distanciam dele.
Todos os Espíritos mais ou menos bons,
quando encarnados, constituem a espécie humana. E como a Terra é um dos mundos
menos adiantados, nela se encontram mais Espíritos maus do que bons; eis porque
nela vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para não
regressar a este mundo após esta passagem e para merecermos repousar num mundo
melhor, num desses mundos privilegiados onde o bem reina inteiramente e onde
nos lembraremos de nossa permanência neste planeta como de um tempo de exílio.
BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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